Bertrandde Jouvenel teria dito a Emmanuel Berl: “Vês, estou contente de conversarcontigo enquanto bebemos água da torneira em um pote de mostarda. Para muitaspessoas, o progresso seria beber água mineral em um copo de cristal. Para mim,é ver-te mais vezes”.
AlfredSauvy
Écom esta citação que o colega Luis Roberto Londres inicia o capítulo O encontro clínico, de seu livro Iátrica – aarte clínica: ensaios sobre a teoria da prática médica. Li este livro em1998, no meu penúltimo ano de Medicina, e decidi revisitá-lo. Este momento tãosignificativo, que é o do encontro do paciente com seu médico, sempre meinteressou. A complexidade das possibilidades interativas – que necessariamenteprecisa ser substituída por um tipo de interação específica, baseada nacooperação e na confiança – é um desafio para qualquer profissional que exerçaa prática clínica.
Depoisde uma boa campanha de marketing médico, um consultório bem localizado, agradávelde se estar, com uma secretária atenciosa, horários disponíveis e um preço justo,ainda há que se passar pelo teste de fogo: a relação médico-paciente. Como dizLondres: “é através do encontro clínico que o doente – ou o suposto doente – ouo que deseja apenas se assegurar de sua sanidade toma contato com a atividade médicacomo tal, isto é, compartilha suas condições com outra pessoa, possuidora de conhecimentosespecíficos e ordenados, e dela espera uma opinião (ou certeza) e uma ação deacordo com seus objetivos”.
Énesse momento, em que nos mostramos seguros, empáticos e disponíveis – ou,então, justamente o contrário destas características acolhedoras – quecomeçamos a definir o sucesso de nossa empreitada enquanto praticantes da Medicina.Enquanto podemos conseguir de um paciente que se mobilize para a ação atravésdo temor que o mesmo possui de perder a vida, algum órgão ou função, nãoconseguimos fazê-lo de forma sustentada e cooperativa se não desenvolvermos comele um laço especial, pautado pela confiança.
Semeste laço, ao primeiro sinal de segurança, quando perceber (ou imaginar) quesua vida está a salvo, o mesmo tenderá a abandonar o tratamento, ou torná-loirregular, passando a obedecer os impulsos e aconselhamentos daqueles que estãomais próximos do seu círculo de confiança: amigos, familiares, vizinhos… Comosabemos, tal atitude é temerária e claramente prejudicial em patologiascrônicas (como diabetes mellitus, hipertensão e dislipidemias), nasquais a sintomatologia pode permanecer oculta por vários anos, causando danosque só serão perceptíveis mais tarde.
Quandoum paciente vem nos procurar, ele sempre o faz pois está, de uma forma ou deoutra, fragilizado, visualizando na figura do médico um instrumento para sairde sua condição de ser humano frágil e falível. Negligenciar esta condição eeste sentimento, bem como tornar secundária a importância do médico enquantodirecionador do processo de cura, alívio ou conforto do paciente, é algoeticamente inaceitável. Quando, inadvertidamente, responsabilizamos o pacienteintelectualmente limitado ou, já idoso, atrapalhadocom suas dezenas de medicações, pela falha do tratamento, o fazemos para tentarnos redimir de nossa própria responsabilidade.
Seé bem verdade que “não se pode ajudar a quem não quer ajuda”, existem váriasformas de ajudar quem nos pede socorro mas, por vários motivos que cabem a nósinvestigar, não consegue-se ajudar. Não é só ao paciente que precisamos pedirpaciência enquanto realizamos nossos testes e utilizamos nossas ferramentasdiagnósticas. Precisamos nós mesmos exercer o dom da paciência e repetir nossasinstruções acerca das medidas que julgamos aptas para que o doente atinja osobjetivos que o fizeram nos procurar.
Ainda, voltando a umacitação de um poema de Antonio Machado feita em Iátrica: “El ojo que ves no es ojo porque tú loveas; es ojo porque teve”. E referindo-me à necessidade da relação de confiança, talvezpossamos usar tal poema para dizer: “O médico que enxergas no espelho pelamanhã não é médico porque assim o queres; é médico pois assim teu paciente te vê”.por Rafael Reinehr
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